ALYSSA OHNO - ale ruaro: sob o céu, sobre o chão.

Ale Ruaro: Sob o céu, sobre o chão. O centro de São Paulo

Construído com caráter monumental – teatros à la Paris, estátuas celebratórias, prédios públicos brutalistas – o centro de São Paulo enfrenta há décadas o encontro de sua arquitetura imponente com aquilo que a história pôde produzir de menos heroico ou glorioso: a fome, o frio e condições insalubres das populações de rua.

Com o olhar chiaroescuro que perpassa toda sua produção – impossível não ver aqui parentesco com o barroco de Caravaggio – Ale Ruaro investiga esse contraste com uma sensibilidade abrangente e uma lente precisa. O resultado é um conjunto potente que encampa a denúncia mas passa longe do panfleto. Que, mesmo dotado de beleza, contorna a armadilha fácil e perigosa da glamourização da miséria.

É nessa paisagem de pixações, pombas, bancos de praça, moletons de capuz, carroças que uma espécie de ópera urbano-humana se desenrola. Eis aqui São Paulo, a Pauliceia de Mário, sem dúvida, mas também a de tantas, tantos e tantx sem endereço, num “sem lenço e sem documento” que nada tem a ver com o de Caetano. Parece que é ainda construção e já é ruína? A profecia/maldição de Lévi-Strauss ecoando ainda.

Vítimas frequentes da invisibilidade em meio a um tempo cada vez mais acelerado, os habitantes de rua do Centro são personagens de uma história maior que passa, inevitavelmente, pelas escolhas que fazemos enquanto coletivo: o que queremos como cidade, o que sonhamos como seres humanos e a quem dedicamos nossos melhores monumentos.

(TEXTO: Gabriela Longman)